Uma empresa de inteligência artificial, que garante
ser capaz de ler a cabeça de milhões de pessoas em tempo real, está
protagonizando uma verdadeira revolução conservadora no mundo. Este poderia ser
o roteiro de um capítulo da série de ficção científica Black Mirror ou
parte de um futuro distópico imaginado por George Orwell, mas é exatamente o
que tem ocorrido com a empresa de big data Cambridge Analytica. A empresa, que
trabalhou nas campanhas vencedoras do Brexit e de Donald Trump, instalou uma
operação no Brasil visando as eleições de 2018. E já parece ter o candidato
ideal por aqui.
O fundador e maior acionista da Cambridge é o
bilionário norte-americano Robert Mercer, conhecido, entre outras coisas, por
ter reinventado Wall Street com o uso de inteligência artificial e por ser um
dos maiores financiadores de projetos de ultradireita nos EUA, além de sua
notória amizade com o presidente do país. O big data da empresa funciona basicamente
com armazenamento, processamento e análise de dados em tempo real, o que
permite ter um conhecimento assustadoramente aprofundado sobre seu campo de
interesse. Em seu próprio site, a Cambridge garante possuir mais de
5 mil dados de 230 milhões de eleitores norte-americanos. No entanto, eles não
revelam como exatamente utilizam esses dados e qual é sua metodologia de
aplicação.
A atuação da empresa em campanhas tem sido
amplamente criticada, apesar de sua eficácia raramente ser questionada. O
jornal britânico The Guardian classificou o papel dela no
Brexit como “sinistro” e como uma ameaça à soberania inglesa em uma série de
artigos a partir deste, The great British Brexit robbery:
how our democracy was hijacked (O grande roubo britânico
do Brexit: como nossa democracia foi sequestrada). As matérias, assinadas
pela jornalista Carole Cadwalladr, denunciaram como a empresa influenciou os
votos pela saída do Reino Unido da União Europeia, inclusive violando leis
britânicas.
No dia seguinte à publicação da primeira
reportagem, a jornalista contou no twitter que a empresa ameaçou processá-la.
https://twitter.com/carolecadwalla/status/863643199075700736
Claro, a repórter disse que era “assustador” ser ameaçada de processo por um bilionário…
https://twitter.com/carolecadwalla/status/863647504323268608
Agora, embora nem o Guardian nem a
empresa confirmem a existência de uma ação judicial, as reportagens de Carole
aparecem com a epígrafe: “este artigo é alvo de queixas legais por parte da
Cambridge Analytica”. A denúncia do jornal está sendo investigada pelo British
Information Commissioner’s Office (ICO), uma agência independente que monitora
o cumprimento das estritas leis britânicas sobre a internet e os meios de
comunicação (sim, lá existe regulação da mídia). A empresa afirma que não se
envolveu no referendo, apesar de seu nome aparecer em reportagens da
época afirmando o contrário.
Já a revista digital norte-americana Newsweek questionou
a ética da Cambridge Analytica no artigo de capa How big data mines personal info to
craft fake news and manipulate voters (Como o Big Data garimpa
informações pessoais para gerar notícias falsas e manipular eleitores). Segundo
a revista, após as críticas, a empresa, que antes se autopromovia de forma
agressiva, passou a ser mais low profile e a negar o uso de
dados do facebook, a não ser em questionários com o “expresso consentimento”
dos usuários da rede de Mark Zuckerberg.
De olho nas eleições de 2018, a Cambridge
desembarcou no Brasil recentemente, por meio de uma parceria com o marqueteiro
baiano André Torretta. E João Dória, pré-candidato a presidência, que já
usa softwares de big data, está na área. “Fiz
muita palestra para o Doria, para o Lide. É uma conversa que eu não posso
negar”, afirmou Torretta ao jornal El Pais. Sobre o
MBL, Torretta afirmou não ter relação profissional com o grupo, mas elogiou a
eficiência do discurso. “Este tipo de comunicação, que o MBL sabe fazer muito
bem, era usada em guerra. É mais figadal. Alguém ensinou isso para eles”,
disse, indicando que a tecnologia está funcionando como o epicentro da onda
conservadora que assola o país.
Doria, sem dúvida, representa à perfeição o perfil
da Cambridge Analytica. Como Trump, foi apresentador de TV, é da direita
conservadora, obedece ostensivamente ao mercado e utiliza de forma entusiasmada
as redes sociais. A julgar por ações como o apoio a Temer e Aécio, as polêmicas
como a “ração humana” e a demolição de prédios com pessoas dentro na
Cracolândia, o prefeito de São Paulo parece não ter limites de ordem ética
sobre os métodos obscuros da empresa. Em uma eleição com restrições a
financiamento de campanha, as redes prometem ter um papel primordial na disputa
pelos maiores cargos do país. É a vida imitando a arte. No caso, a distopia.
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