Por Pedro Tierra, em 16 de fevereiro de 2018
Querid@s
companheir@s,
Hoje, há 90
anos nascia um homem. Numa pequena aldeia milenar: Balsareny, Catalunha. Fez-se
brasileiro e latinoamericano quando desembarcou aqui às vésperas da outorga do
AI-5, em 1968. Foi batizado nas águas dos rios. Nas águas do Araguaia, seu rio,
sua pátria. A pátria de Pedro flui, como o sonho e o sangue que alimentam
nossas esperanças. Segue vivendo hoje, como Bispo Emérito de S. Félix do
Araguaia, entre aqueles que escolheu como seus irmãos: os índios, os negros, os
trabalhadores, os pobres. Em nome deles, por eles, para que celebrassem,
escrevemos juntos a Missa da Terra sem Males e a Missa dos Quilombos. Para que
rompessem o silêncio no Templo e no Pretório... quando a Ditadura se impôs ao
país. Para homenagea-lo anexo uma carta aberta que lhe escrevi em 2014, desde
"La Mitad del Mundo", em Quito.
Querido
Pedro,
te
escrevo, talvez, para recuperar uma trajetória que nos une há quase quarenta
anos, desde uma manhã de domingo, no Pavilhão Cinco do Carandiru, Zona Norte de
S. Paulo, onde eu já cumpria o segundo ano de prisão e você veio trazer o
abraço solidário a um grupo de homens que não conhecia e a maior parte deles
sequer partilhava suas convicções de fé.
Vivia
a Igreja, naquele momento o período mais fecundo, em quinhentos anos de
história, de identidade e compromisso com os pobres do continente e,
especialmente no Brasil, participava do esforço quotidiano que tecia,
pacientemente, os laços da resistência à ditadura militar.
Sempre
nos moveu, a você e a mim, a convicção de que a construção do destino do Brasil
um país, livre, justo, generoso, capaz de acolher todos os seus filhos com
dignidade, passa pela construção dos laços sociais, culturais, políticos e
econômicos entre nós e os povos irmãos do continente.
Regresso
a esse espaço que os equatorianos designam como “La mitad del mundo” agora já não para conhecer o monumento
assentado sobre a linha do Equador, mas para conhecer a arrojada obra
arquitetônica projetada por Diego Guyasamin, neto do mestre Osvaldo Guayasamin,
tradutor incomparável da iconografia do mundo indígena para a precária
percepção do nosso olhar ocidental, distorcido pela miopia...
Mais
do que o espaço físico construído com trabalho, talento, imaginação e beleza
que mobiliza essa gente de cobre que acorre à “La mitad del mundo” é a materialização de um sonho secular. O
sonho secular da Pátria Grande. Garcia Márquez, o mais prodigioso narrador dos
delírios que nos assaltam nesse continente, disse numa página, que esse talvez
fosse o único sonho pelo qual valeria à pena morrer. Penso diante do que
presencio nessa tarde: esse é um sonho pelo qual vale à pena viver.
Dispostos
à frente do palco amplo, na mesa com guarnições de flores – naturais como você
prefere – estão sentados diante de nós os Presidentes Maduro, da Venezuela,
Juan Manuel Santos, da Colômbia, Rafael Correa, do Equador e as Presidentas do
Brasil, Dilma Rousseff e Cristina Kirchner, da Argentina, o Secretário Geral da
UNASUL Ernesto Samper, o Chanceler do Equador Ricardo Patiño e o Prefeito de
Quito Maurício Rodas. Entre os presentes na plateia a Prêmio Nobel da Paz
Rigoberta Menchú, de Guatemala, a representante das Madres da Plaza de Mayo, Fernando
Lugo, ex-presidente do Paraguai, Manuel Zelaya, ex-presidente de Honduras.
Nutrida
por nosso insuperável talento para a palavra a cerimônia se prolonga tarde
adentro... Os oradores recuperam a saga passada e presente ditada pelo
imperativo de construirmos o destino continental comum ou sucumbir... Para
honrar a saga dos libertadores, a geração de líderes – homens e mulheres – que
temos diante de nós, além de Michelle Bachelet, Presidenta do Chile. E essa
extraordinária figura que impressiona o mundo com sua simplicidade, sua
coerência e nos reencanta a todos, Pepe Mujica, Presidente do Uruguai. Não pode
alcançar as alturas de Quito, por recomendações médicas. Deixou de Guaiaquil
sua mensagem, seu legado aos jovens e a nós, calejados militantes que cumprimos
a trajetória de sua geração, porque nos devolve a capacidade de sonhar. Esse
momento deixará sua marca profunda no coração de cada um de nós. Mais sólido e
permanente que a construção institucional da UNASUL como mecanismo de
integração de ações, o laço cultural entre a instituição e as sociedades
sul-americanas. Ou seja abrir o longo processo para construir as bases, os
critérios para que nossos povos comecem a pensar-se sul-americanos.
Seria
longo reproduzir o conteúdo das falas de cada um, termino esse registro que
quero partilhar com você e com os seus, aí em São Félix, com o momento final do
encontro, quando os artistas das diferentes nações, depois de apresentar suas
canções se juntaram no palco acompanhados pela recém-nascida Orquestra
Sinfônica da UNASUL para cantar a “Canción
de América” que a voz de Mercedes Soza um dia fez ecoar aos nossos ouvidos
e tocar irremediavelmente nossos corações.
Um
abraço forte, compadre, sempre
Pedro
Tierra.
La Mitad del Mundo,
05 de dezembro de 2014.
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