terça-feira, 14 de novembro de 2017

O CAPITAL IMPRODUTIVO: a maior máquina de produção de desigualdade social no Brasil


Por Aldo João de Sousa - Professor aposentado do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Brasília

Comentário inicial

Parcela expressiva dos dados apresentados neste artigo é baseada na entrevista que o Professor Ladislau Dowbor, economista da PUC de São Paulo, concedeu aos jornalistas Paulo Moreira Leite e Leonardo Attuch, do Portal Brasil247, neste segundo semestre de 2017. A palestra pode ser acessada no canal da TV247 no YouTube, no seguinte link:

https://www.youtube.com/watch?v=CTeoHOBVsII&t=2779s

Todos os erros ou má interpretação sobre o conteúdo da palestra do professor Ladislau Dowbor aos dois jornalistas devem ser debitados na minha conta.
Os dados sobre a pauta nacional, citados no fim deste artigo, nada têm a ver com a entrevista.

O PIB mundial, soma de toda a riqueza produzida no mundo em um ano está, em números redondos em US$ 80 trilhões. Esse PIB mundial está crescendo a uma taxa de 2,5% a cada ano. Quem abre uma indústria, uma empresa, um restaurante, um escritório, constrói um edifício, produz leite ou queijo na fazenda, está crescendo, na média, nesta taxa.

O cassino financeiro está girando quase 4 PIBs mundiais, ou seja, US$ 300 trilhões. Enquanto o PIB cresce a 2,5%, esse “capital improdutivo” remunera a uma taxa de 7% ao ano, ou seja, quase 3 vezes a taxa de crescimento do PIB mundial.

Para entendermos o que representa uma aplicação de 7% ao ano, vamos a um exemplo. Um bilionário ou uma empresa dispondo de um capital de R$ 1 bilhão, com os rendimentos de 7% ao ano, terá em sua conta um rendimento diário de R$ 192.000,00. Se este bilionário não tem capacidade de gastar estes R$ 192 mil dos juros todos os dias do ano, este juros viram capital e também irão gerar novos juros. Juros gerando juros, como uma bola de neve. Um capital de R$ 1 bilhão, aplicados a 7% ao ano, a cada 10 anos terá o seu valor dobrado, ou seja, transforma-se em R$ 2 bilhões. Em mais 10 anos, ou seja, ao final de 20 anos, transforma-se em R$ 4 bilhões. Em 30 anos, transforma-se R$ 8 bilhões. E assim, a bola de neve cresce. Não se produziu nada. Quem tem R$ 1 bilhão aprende a aplicar em “papéis”, rapidamente. Se não aprender, paga uma taxa para quem entende do assunto. Não faltam especialistas na área, em qualquer lugar do mundo.

Um dos grandes dramas da humanidade é o desconhecimento da Função Exponencial. A aplicação no cassino financeiro, juros compostos ou juros sobre juros comporta-se como uma função exponencial. Cresce como bola de neve! É por este motivo que podemos usar o termo ¨capital improdutivo”. Capital gerando juros. Juros agregados ao capital. O capital inflado pelos juros crescendo mais ainda! O capital de R$ 1bilhão, com rendimentos de 7% ao ano produz um rendimento de R$ 1 bilhão vezes 0,07, ou 7 por cento, no final de cada ano. Assim, esse R$ 1 bilhão transforma-se em R$ 1bilhão vezes 1,07. No segundo ano o bilhão inicial transforma-se em R$ 1 bilhão vezes 1,07 vezes 1,07, ou seja, 1,07 ao quadrado. No terceiro ano será 1,07 elevado ao cubo. Ao final de 10 anos o capital de R$1 bilhão inicial transforma-se em R$ 1 bilhão vezes 1,07 elevado à décima potência. O número 1,07 elevado à décima potência é próximo do número 2. Ou seja, em 10 anos o capital de R$ 1 bilhão inicial dobra de valor, transformando-se em R$ 2 bilhões. É o que falamos anteriormente, sobre a “bola de neve” e o porquê do uso do termo “capital improdutivo”. Ele não gera riqueza. Não abre novas empresas ou novas indústrias. Não gera empregos. Circula pelo mundo, em rede, em tempo real.

Temos um seleto clube de 8 pessoas com uma riqueza equivalente à metade da população mundial, ou seja, concentrando a riqueza de 3,5 bilhões de seres humanos. Outro dado da concentração de riqueza: existe também um clube um pouco maior, com um número de integrantes equivalente a 1% da população que possui a riqueza equivalente àquilo que tem 99% da população mundial. Em uma população de 7 bilhões de seres humanos, 1% desta população forma um clube de 70 milhões de pessoas. Um clube equivalente a um terço da população brasileira - 70 milhões - com a riqueza de 6 bilhões e 930 milhões de pessoas no mundo. Assustador!

Um banco recebe depósitos de terceiros, de poupadores com diversos níveis de recursos. Em tese, o banco deveria financiar a abertura ou expansão de fábricas de bicicletas, carros, aviões, de empresas prestadoras de serviços, a abertura de restaurantes, lanchonetes, a construção civil, dentre tantos outros setores da economia. Estas empresas criam empregos, pagam impostos e obtêm lucros com suas vendas. O lucro é a finalidade primeira de qualquer empresa. E, com os lucros, pagam o empréstimo e os juros do dinheiro que pegou emprestado no banco. É assim que o sistema capitalista funciona. Quem poupa deposita no banco. O banco empresta para o setor produtivo gerar riquezas. A dívida, em si, não é o problema. Na Europa os bancos cobram taxas de juros da ordem de 3% ao ano. Aqui no Brasil se cobra taxas anuais de 100%, 150%... No cheque especial se cobra 300%. E no rotativo do cartão de crédito, 480%. Na compra à vista, com cartão no modo crédito, paga-se 5% do valor da operação. Assim, uma padaria que faz uma venda a um cliente no valor de R$ 100,00 receberá, 30 dias depois, R$ 95,00. O custo desta operação, para a operadora de cartão, é de 10 centavos. É um ganho de 1 para 50. Inacreditável!

A CPMF era de 0,38%, cobrada sobre operações financeiras. Acabaram com ela, porque o Congresso Nacional entendeu que era um escândalo. Imagine quantas milhões de operações são feitas, diariamente no Brasil, com cartão de crédito, cobrando-se uma taxa de 5% no débito ou 2,5% no formato crédito. Conhecem alguma máquina de produzir dinheiro mais forte do que esta?

O chamado sistema financeiro drena a capacidade dos consumidores, das empresas e do estado. O estado fica enfraquecido na sua finalidade de investir e realizar as políticas públicas.

Uma TV no valor de R$ 1000,00, comprada a prazo na Europa, com juros de 3% ao ano, terá um custo final de R$1030,00. Em 12 parcelas, paga-se R$ 85,00. Se no Brasil for cobrado juros de 5% ao mês, a TV financiada irá para R$ 1800,00, com 12 prestações de R$ 150,00. Compre 1 e pague 2! Não se pode cobrar juros mensais no Brasil equivalentes aos juros anuais em países como os da Europa ou nos EUA.

Imagine, em mais este exemplo, um brasileiro que consiga poupar, ao longo da sua vida, um valor de R$ 1 milhão. São raros! Com esse recurso poderia, por exemplo, comprar um apartamento e alimentar uma empresa imobiliária ou da construção civil e toda a sua cadeia, caso esse imóvel seja comprado na planta. Comprando um apartamento por esse valor e não necessitando desse imóvel para sua moradia, que valor de aluguel ele obteria? Um valor equivalente a 1% do valor do imóvel daria R$ 10 mil. Não consegue! Um valor equivalente a 0,5%, dá R$ 5 mil. Também não? Talvez algo entre 0,3 E 0,4%, ou seja, entre R$ 3 mil e R$ 4 mil. Ao final de 12 meses, na melhor das hipóteses, recebeu R$ 48 mil. E, se ao invés de comprar o apartamento, se analisar a alternativa de uma aplicação financeira com esse R$ 1 milhão, com rendimentos de 1% ao mês, ou seja, um valor 3 vezes superior ao aluguel: conseguirá, ao final de 12 meses, R$ 126 mil.

O PIB brasileiro em 2016 foi de R$ 6,3 trilhões. O estado brasileiro pagou de juros, pela sua dívida pública, cerca de 7% do PIB (algo em torno dos R$ 500 bilhões). As pessoas físicas ( consumo das famílias ) e as pessoas jurídicas ( indústrias, empresas ) juntas, pagaram mais 15% do PIB. Somando os 7% do PIB pagos pelo setor público mais 15% do PIB das pessoas físicas e jurídicas, chega-se a inacreditáveis cifras de 22% do PIB, representando R$ 1,38 trilhão!

Recentemente, antes da inflação despencar de 10% para 3% ao ano, tínhamos uma Selic de 12,5% ao ano para uma inflação anual de 10%. Neste segundo semestre de 2017 a inflação está em 3% e a Selic em 8%. Descontada a inflação os juros reais foram de 2,5% ao ano para 5% ao ano. Ou seja, os juros reais dobraram, concordam? Na Europa os juros pagos para o financiamento da dívida é de 0,7% ao ano. Um poupador que compra US$ 100 mil, remunerado a 1% ao ano nos EUA terá, ao final do ano, um ganho de U$ 1 mil. Se no Brasil for remunerado a 5%, livre de inflação, terá um ganho de US$ 5 mil. Um ganho 5 vezes maior.

Se o sistema financeiro drena uma parcela expressiva do PIB brasileiro, ou seja, de 22% do PIB, podemos ter ai uma explicação para o emperramento dos quatro motores da nossa economia. Quais sejam: 

1. A Exportação ( nunca fomos um país exportador): estão encontram-se no patamar dos 10% do PIB e nossa participação no comércio mundial é muito pequena. Não somos uma China, uma Singapura; 

2. O Consumo das famílias: 60 milhões de brasileiros estão com a corda no pescoço. Não conseguem pagar o que compraram, imagine pensar em consumir; 

3. A Produção Industrial e/ou de serviços. Juros europeus a 3% ao ano? E aqui a 15%, 50% ou 100%. Pessoa física no cheque especial pagando 300% ao ano. E o rotativo do cartão a 480%
ao ano; 

Em 1980 o PIB Chinês e o PIB brasileiro eram próximos, da ordem de U$200 bilhões. Nesta época o PIB dos EUA, comparados com esses, estava lá em cima, com um valor de U$ 2 trilhões, equivalente a 10 PIBs do Brasil ou China. Em 2017 o Brasil apresenta PIB de U$ 2 trilhões, a China de US 12 trilhões e os EUA U$ 18 trilhões. Em 80, a razão dos PIBs do Brasil para o PIB dos EUA ou da China para os EUA era de 1:10. Continuamos mantendo esta distância em 2017, em relação aos EUA. Já a China está acima da metade do PIB dos EUA e supera com um PIB 6 vezes o nosso. 

Poderíamos perguntar se o capital improdutivo teria devorado não somente a nossa democracia representativa ( congresso nacional sem a bancada do povo! ) mas o próprio estado, via dívida pública e Selic, cobrando juros sobre juros, ano após ano? Esta pergunta faz sentido, diante dos números apresentados?

O problema crucial não é o valor da dívida, que deve ser auditada, obviamente. O lado dramático está nos juros composto ou juros sobre juros, pagos sobre esta dívida, em 2017 apresentando valores redondos de R$3,5 trilhões. Temos no Brasil três “galinhas dos ovos de ouro” alimentando o capital improdutivo: a dívida dos consumidores, a dívida das empresas e a dívida do estado ( dívida pública ), consumindo parcela expressiva de toda a riqueza produzida anualmente. O estado, que deveria arrecadar impostos para investir e executar as políticas sociais transfere, para o capital improdutivo, 7% do PIB a cada ano, pagando os juros da dívida pública.


Enquanto isto, vamos ver quais são os números que alimentam a pauta nacional e, como exercício, tentar montar um diagrama de barras com essas cifras. E vamos, também, confrontar essas cifras para tentar centrar naquilo que cada um de nós entender ser o essencial para o presente e o futuro do nosso país, enquanto nação que cresce, distribuindo a riqueza nacional de forma justa e diminuindo as nossas desigualdades sociais. Que números são esses?

1 Geddel: R$ 50 milhões 
1 estádio Mané Garrincha: 1,5 bilhão ou 30 Geddel ( são vários, país afora )
1 lava jato: R$ 10 bilhões 
1 corrupção brasileira: 60 a 120 bilhões ( estimada entre 1 e 2% do PIB)
1 orçamento em saúde: 120 bilhões ( equivalente a 8 estádios Mané Garrincha )
1 orçamento em educação: 120 bilhões 
1 déficit primário do Meirelles: 160 bilhões ( arrecadação menos gastos – e se incluirmos os juros da dívida, que vem logo abaixo, nesta nossa lista? )

 Aqui os números começam a assumir valores interessantes, porque já representam frações relevantes, quando comparados com o PIB brasileiro:

1 sonegação de impostos: R$ 500 bilhões ( Sonegômetro: estimativa de auditores da receita ) 1 juros da dívida: 500 bilhões ( 7% do PIB) 
1 juros das pessoas físicas e jurídicas: 900 bilhões ( 15% do PIB) Carga tributária ultra regressiva: 2,4 trilhões ( Impostômetro: arredondados aqui para 40% do PIB)
1 dívida pública: 3,5 trilhões 
1 PIB: R$ 6,3 trilhões ou U$2 trilhões.

 ( *) Todos as cifras apresentadas em números redondos, para facilitar a compreensão. 

Talvez com esses números possamos entender por que o Brasil está travado e falta dinheiro para tudo, tanto no setor público como no setor privado, ou seja, para as pessoas físicas e jurídicas. Os números apresentados me levam a concluir que o capital improdutivo é, sem dúvida, a maior máquina de produção de desigualdade social no nosso país.

Anexo: gráfico sobre o orçamento brasileiro de 2017



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